Aventura rumo à Alexandria? – Vento no rosto, água salgada e imensidão. 

Aventura rumo à Alexandria? – Vento no rosto, água salgada e imensidão. 

Eu realmente gosto de aventuras, de andar pelas estradas sem rumo e não ficar parada. Não sei de onde veio esse bicho aventureiro que me mordeu, mas ele certamente já visitou alguns familiares. Meu irmão Guilherme tem muitas histórias e aventuras para contar das viagens que fez e lugares que visitou pela Europa. Talvez a culpa disso tudo sejam as histórias que ele me contou em suas cartas. Assim, desde que comecei a viajar criei gosto e nunca parei. Minhas distâncias percorridas são ainda modestas, mas tudo começa com pequenos passos e já comecei os meus. Assim, foi com uma empolgação genuína que vi um cartaz na Praça de Alcácer do Sal anunciando: “Descubra o Oriente. Uma viagem inesquecível ao Egipto, venha conhecer a maravilhosa Alexandria”. O embarque seria no Domingo, 27 de abril no porto de Alcácer. 
 

Mal havia retornado de uma viagem demorada e já me veria iniciando outra. Não tinha muito tempo para me preparar, mas estava resolvida. Procurei a capitã, uma francesa chamada Douchka e solicitei que reservassem uma vaga para mim no Le Griffon. 

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Sem grandes contratempos, no dia indicado embarquei. Algumas pessoas vieram se despedir de mim e dos viajantes. Entre eles estava o barão Dalur que me solicitou anotações sobre a viagem para os seus estudos. Eu iria fazê-las independente do pedido, então concordei prontamente com a proposta. Também pretendia fazer alguns desenhos. O mentor da cidade, o senhor Rafael também estava lá, e como muitos, lamentou não poder seguir conosco, pois teria outros afazeres. Também me despedi de amigos queridos que eu não veria por muito tempo. Alguém estimava a duração da viagem em dois meses, outro menos otimista calculou-a em quatro. Independente de quem estivesse certo, parecia muito tempo distante de casa. Não conhecia nenhum dos tripulantes, com exceção do senhor Gennaro Amatucci, um tecelão italiano que nos últimos tempos se tornara meu mestre nessa arte. Ele iria para me apresentar a alguém que conhecia em Alexandria e visitar um velho amigo chamado Aqil Nagi. O senhor Gennaro é uma pessoa difícil de conviver, um homem ranzinza e pouco dado a amenidades. Se ele fosse a minha única companhia, a viagem seria terrível. Gennaro conhecera Aqil Nagi na Itália e nunca estivera em Alexandria. Havia ainda dois tripulantes portugueses, o senhor Arnaldo com quem nunca conversara antes e o senhor Felipe que vi apenas uma vez em uma tasca da cidade de Alcácer, todos os outros passageiros eram franceses da região da Bretanha e completamente estranhos para mim. 

Infelizmente, ficamos mais um dia retidos no porto de Alcácer do Sal aguardando novos integrantes da tripulação. Enquanto esperava, aproveitei para conhecer melhor a embarcação. Aquela não era a minha primeira viagem de barco, mas aquela carraca de guerra era o maior barco no qual eu havia entrado até então. 

“Du lion j’ai la force et la majeste,
De l’aigle j’ai la vitesse et la rapacite,
Du serpent j’ai la ruse et l’agilite,
Du cheval j’ai la puissance et la beaute….
Je suis LE GRIFFON, navire corsaire Breton !”

(“Do leão eu tenho a força e a majestade,
Da águia a rapidez e a voracidade,
Da cobra a astúcia e agilidade,
Do cavalo eu tenho a energia e a beleza….
Eu sou O Grifo, navio corsário Bretão!”) 

Esses versos estavam escritos em uma bela placa em madeira na cabine da capitã. De fato isso nos levava a imaginar uma figura bela, clássica, poderosa e imponente. As linhas do barco contra o horizonte passavam essa sensação de beleza e força, isso me trouxe tranquilidade, mas a verdade é que um barco por mais forte e rápido que seja só dará o melhor de si nas mãos de um capitão experiente e habilidoso. Não conhecia ainda as habilidades de Douchka e dos outros membros da tripulação que ocasionalmente tomariam o timão e a direção do barco. 

Depois de um dia de espera o barco finalmente zarpou rumo ao seu destino, naquela fria e silenciosa madrugada de segunda-feira. 

No segundo dia de viagem ainda avistava terra, pois íamos contornando a costa, em navegação de cabotagem. Ver terra e mar sempre nos dá um alento, pois sabemos que há para onde ir e qual a direção seguir se algo inesperado acontecer. Ao menos temos essa ilusão, pois não fazemos ideia da distância verdadeira e do perigo que nos separa do destino pretendido, entre rochedos, mar e tubarões. A sombra da terra no horizonte mesmo distante transmite paz e segurança. Assim foi o maior tempo da viagem, que em vez de aventurosa agora parecia um verdadeiro tédio. Ficávamos mais tempo pescando no castelo de popa, e ao menos durante o dia, essa era a minha diversão, ainda que por três dias eu não pescasse absolutamente nada. Ajudar nas manobras e na mudança das velas seguindo as ordens da capitã era enfadonho e cansativo. Principalmente para mim, que não tinha ideia em absoluto do que estava fazendo. Durante a noite descíamos para a messe e passavamos algumas horas na taverna Excalibur com a tripulação. Infelizmente, era raro encontrar a maioria dos tripulantes que tinham horários de descanso alternados. Durante vários dias, eu via apenas Gennaro e Felipe, os outros estavam sempre ocupados, com algum trabalho a bordo, vendo cartas náuticas ou lendo sobre a viagem. 

Só então me dei conta que não eu tinha nenhuma informação concreta sobre Alexandria além dos comentários que ouvi ocasionalmente. Alguns pareciam bem fantasiosos e não poderiam ser levados a sério. A verdade é que Alexandria fascina as pessoas pelo seu mistério, é um lugar distante e difícil de ir, com uma cultura e costumes que não estamos habituados, parece exótico. O viajante parece ter um desejo de fugir do seu cotidiano, de ver coisas, pessoas e lugares diferentes- eu pensava enquanto me entediava na viagem. 

Dia 03 de maio passamos nossa primeira crise a bordo, algo que abalou nossas esperanças e nos deixou cheios de preocupação. A cerveja da tasca havia acabado. Foram momentos de desespero até descobrirmos que ainda nos restava um barril escondido no porão. Indescritível a nossa sensação de alívio. Assim, a viagem prosseguiu por mais alguns dias. Aquele barril foi cuidadosamente regulado. 

Nosso tédio acabou definitivamente quando tivemos que passar pelo estreito de Gibraltar, a passagem que nos daria acesso ao Mar de Alboran e posteriormente ao Mar Mediterrâneo. Era o nosso décimo dia de viagem. Gostaria de descrever com clareza e expressões acertadas sobre o que se passou, mas não sei navegar, não entendo de barcos nem de velas. Essa porta de entrada não é assim tão estreita, mas o que torna a passagem desafiadora é a quantidade de barcos que por ali passam diariamente. O risco de uma colisão é grande e todo o cuidado é pouco. Felizmente, depois de dois dias de cuidadosas manobras conseguimos cruzá-lo. Depois disso foram vários dias de vento no rosto, água salgada e imensidão, até avistarmos uma ilha que me informaram se chamar Ibiza ou Ebusus, como os antigos romanos a chamavam. Cruzávamos o mar Balear, e depois de nos afastarmos de Ibiza avistamos as belas ilha de Majorca e Formentera. Ambas no passado pertenceram aos mouros, mas agora eram território aragonês. 

Era realmente uma pena não podermos desembarcar ali e apreciar as belezas naturais do local. Mas estávamos com nosso itinerário atrasado por conta dos ventos instáveis e desfavoráveis que nos fizeram perder alguns dias em meio à calmaria. Íamos nos aproximando cada vez mais da costa do Reino de Aragão, mas continuamos subindo e avançando, pois nosso destino era Montpellier, nossa primeira e única parada prevista antes de prosseguir rumo a Alexandria. 


Essa é a primeira parte de uma série de crônicas que escreverei sobre minha viagem rumo à Alexandria.

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