Author Archives: Beatrix

Súplicas às moiras

Súplicas às moiras
Tecendo a teia da vida e da morte
Moiras irmãs, que cirzam minha sorte
Urdam e tramem por minha ventura
Tragam-me a amada em sua tessitura.
Inda que seja breve a minha vida,
Mesmo sendo fugaz, seja garrida,
Por ter por privilégio a companhia
Da puella que ora canto em elegia.
Mas, se, reinando acima do divino,
Julgando impróprio dar-me tal destino,
Nem mesmo Zeus possa atender meu rogo,
Clotho, fiandeira, tece uma fogueira
Sorteia-me, Láquesis, medianeira
Átropos, joga o meu destino ao fogo!
Por Oldney Lopes

A infinita fiandeira

A infinita fiandeira

A aranha, aquela aranha, era tão única: não parava de fazer teias! Fazia-as de todos os tamanhos e formas. Havia, contudo, um senão: ela fazia-as, mas não lhes dava utilidade. O bicho repaginava o mundo. Contudo, sempre inacabava as suas obras. Ao fio e ao cabo, ela já amealhava uma porção de teias que só ganhavam senso no rebrilho das manhãs.
E dia e noite: dos seus palpos primavam obras, com belezas de cacimbo gotejando, rendas e rendilhados. Tudo sem nem finalidade. Todo bom aracnídeo sabe que a teia cumpre as fatias funções: lençol de núpcias, armadilha de caçador. Todos sabem, menos a nossa aranhinha, em suas distraiçoeiras funções.
Para a mãe-aranha aquilo não passava de mau senso. Para quê tanto labor se depois não se dava a indevida aplicação? Mas a jovem aranhiça não fazia ouvidos. E alfaiatava, alfinetava, cegava os nós. Tecia e retecia o fio, entrelaçava e reentrelaçava mais e mais teia. Sem nunca fazer morada em nenhuma. Recusava a utilitária vocação da sua espécie.
— Não faço teias por instinto.
— Então, faz porquê?
— Faço por arte.
Benzia-se a mãe, rezava o pai. Mas nem com preces. A filha saiu pelo mundo em ofício de infinita teceloa. E em cantos e recantos deixava a sua marca, o engenho da sua seda. os pais, após concertação, a mandaram chamar. A mãe:
— Minha filha, quando é que acentas as patas na parede?
E o pai:
— Já eu me vejo em palpos de mim…
Em choro múltiplo, a mãe limpou as lágrimas dos muitos olhos enquanto disse:
— Estamos recebendo queixas do aranhal.
— O que é que dizem, mãe?
— Dizem que isso só pode ser doença apanhada de outras criaturas.
Até que se decidiram: a jovem aranha tinha que ser reconduzida aos seus mandos genéticos. Aquele devaneio seria causado por falta de namorado. A moça seria até virgem, não tendo nunca digerido um machito. E organizaram um amoroso encontro.
— Vai ver que custa menos que engolir mosca — disse a mãe.
E aconteceu. Contudo, ao invés de devorar o singelo namorador, a aranha namorou e ficou enamorada. Os dois deram-se os apêndices e dançaram ao som de uma brisa que fazia vibrar a teia. Ou seria a teia que fabricava a brisa?
A aranhiça levou o namorado a visitar sua coleção de teias, ele que escolhesse uma, ficaria prova de seu amor.
A família desiludida consultou o Deus dos bichos, para reclamar da fabricação daquele espécime. Uma aranha assim, com mania de gente? Na sua alta teia, o Deus dos bichos quis saber o que poderia fazer. Pediram que ela transitasse para humana. E assim sucedeu: num golpe divino, a aranha foi convertida em pessoa. Quando ela, já transfigurada., se apresentou no mundo dos humanos logo lhe exigiram a imediata identificação. Quem era, o que fazia?
— Faço arte.
— Arte?
E os humanos se entreolharam, intrigados. Desconheciam o que fosse arte. Em que consistia? Até que um, mais-velho, se lembrou. Que houvera um tempo, em tempos de que já se perdera memória, em que alguns se ocupavam de tais improdutivos afazeres. Felizmente, isso tinha acabado, e os poucos que teimavam em criar esses pouco rentáveis produtos — chamados de obras de arte — tinham sido geneticamente transmutados em bichos. Não se lembrava bem em que bichos. Aranhas, ao que parece.

Por Mia Couto

O tear

O tear

A fieira zumbe, o piso estala, chia

O liço, range o estambre na cadeia;
A máquina dos Tempos, dia a dia,
Na música monótona vozeia.

Sem pressa, sem pesar, sem alegria,
Sem alma, o Tecelão, que cabeceia,
Carda, retorce, estira, asseda, fia,
Doba e entrelaça, na infindável teia.

Treva e luz, ódio e amor, beijo e queixume,
Consolação e raiva, gelo e chama
Combinam-se e consomem-se no urdume.

Sem princípio e sem fim, eternamente
Passa e repassa a aborrecida trama
Nas mãos do Tecelão indiferente…

Por Olavo Bilac

Cardação de verão

Cardação de verão

Em um final de tarde de primavera, em que já se achegava o verão, estavam as tecelãs reunidas no Ateliê da Donzela, que era mãe e também anciã. Dali a mais alguns dias a Litha chegaria trazendo o dia mais longo e a noite mais curta do ano.

Após a grande tosquia da primavera, os carneiros corriam leves pelo campo, sem a sua densa lã. A tosquia acontecia somente uma vez por ano,  ao final do inverno, pois a camada de lã era a proteção dos animais contra os rigores da estação. Mas no verão ela causava calor intenso e poderia prejudicar os animais, trazendo desconforto e podendo levar até à morte. Era raríssimo isso acontecer com os carneiros de Beatrix, mas já havia ocorrido ao menos uma vez de um dos carneiros ter fugido e ter sido encontrado tarde demais. Por isso todo o cuidado na contagem durante a tosquia. Nenhum deles poderia escapar do ritual. Os melhores carneiros forneciam até mais de quatro quilos de lã bruta.

Carneiros esquilados, a lã era enrolada, curtida, depois separada e tratada. Durante dias ela era lavada para tirar a gordura, que depois seria aproveitada para sabão.

Depois de lavada e seca, começaria a cardação. Naquela noite no galpão do atelier, entre bolos, pasteis e biscoitos, muita conversa e chávenas de chá, Beatrix estava reunida com as suas tecelãs.

Todas estavam animadas para o serão. Fazia tempo que Beatrix não participava pessoalmente da cardação e tinha saudades daqueles momentos, por isso uniu-se ao grupo. A agora baronesa sentou-se em um banco, e enquanto separava a lã para penteá-la no cardador propôs ao grupo.

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Título de Cortesia

Título de Cortesia
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DECISÃO OFICIAL

A Corte dos Nobres do Reino de Portugal representada pelo Conselho de Sintra na figura de seu Presidente, usando das atribuições que lhe são conferidas pelas normas estatutárias vigentes

Ao décimo sétimo dia do mês de Fevereiro do ano de Jah de MCDLXV, foi apresentado ao Conselho de Sintra pela mão de Dama Beatrix Algrave Nunes Henriques, Baronesa do Paço da Figueira, o pedido para que o seu esposo, Dom Fitzwilliam Darcy Marques Henriques, use em carácter de cortesia o Baronato do Paço da Figueira, seus escudos, bem como o título inerente.

Aplicados os períodos estatutários de discussão, não houve qualquer oposição ao pedido.

Sendo assim, fica APROVADO o pedido da Dama Beatrix Algrave Nunes Henriques, Baronesa do Paço da Figueira.

As razões apresentadas constam dos documentos da discussão que serão enviados ao Arquivo do Conselho de Sintra e estarão disponíveis para leitura pública.

Redigido em Sintra, ao vigésimo oitavo dia do mês de Fevereiro do ano de Jah de MCDLXV.

Dom Capeside Telles de Menezes Camões
II Conde de Sintra
Barão da Costeira
Presidente do Conselho de Sintra

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