Textos aristotélicos – Demonografia de Asmodeus

Textos aristotélicos – Demonografia de Asmodeus
    • Demonografia de Asmodeus, Príncipe-Demónio da Luxúria

 

    • Uma criança precoce

 

    • Há muito tempo nasceu em Samarra, uma pequena aldeia de agricultores, não longe de Oanylone, um menino a quem os seus pais chamaram de Asmodeus. Era forte e cheio de vida. Os seus olhos eram de um negro profundo e cativante. O seu rosto era belo a tal ponto que podia ser confundido com um anjo. Mas fora grande a surpresa dos seus pais quando constataram no seu corpo uma estranha deformidade. Como eram simplórios e aquilo parecia fora do comum, decidiram ver o velho Gedeón, curandeiro de profissão que vivia afastado dos homens.

    • Este último era um homem com a cara enrugada pelos anos e que manteve a sua fé em Jah intacta. Pegou o pequeno dos braços da sua mãe, colocou-o sobre uma mesa e lentamente desapertou-lhe a fralda a fim de o examinar. Qual não foi o seu espanto quando viu que o bebé não tinha um sexo, mas dois! Era ao mesmo tempo feminino e masculino. Então voltou-se para os seus pais.

 

Curandeiro: Vocês trouxeram ao mundo um ser fora do comum. Isto está além de minhas habilidades. Não sei se é uma mensagem que vos foi enviada pelo Altíssimo, ou se…

 

Não conseguira terminar a sua frase. Vestiu apressadamente o recém-nascido e entregou-o ao casal que esperava uma resposta com ansiedade.

 

Curandeiro: Vocês não devem voltar mais aqui com esta criança. Aconselho-vos que se voltem para Jah e que Lhe rezem repetidamente. Quanto a… ele, amai-o o melhor que podeis e afastai-o do Mal.

 

Com temor e preocupação a pequena família regressou a sua casa. Foi neste ambiente que a criança cresceu.
No momento em que ele começou a andar, os problemas para o pai e para a mãe começaram.
Asmodeus adorava particularmente observar os animais no curral. Ele fascinava-se todos os dias ao vê-los mexer-se, comer e emitir sons curiosos. Mas o que mais o maravilhava era vê-los acasalar. Aquela era das suas maiores emoções. Proferia pequenos gritos que pareciam acompanhar os animais na sua reprodução. Batia palmas a cada manifestação viril do bode ou do touro. O seu pai em vão tentou repreender, ameaçar e bater, mas nada funcionou.
Aos cinco anos, tentou algumas “experiências” com os animais. Conhecia bem os hábitos das espécies que viviam ao seu redor. Decidiu mudar a ordem natural das coisas, colocando o cão com a porca ou o gato com o pato. O resultado foram ferimentos cruéis que não serviram para saciar o seu entusiasmo.

A Revelação

Aos dez anos de idade, enquanto participava da colheita do mês de julho, ocorreu um evento que mudou a sua vida. Era o fim do dia e quase todos os agricultores já tinham regressado a casa. Estava sozinho num campo, no meio de montes de palha habilmente dispostos separadamente. Observava um casal de escaravelhos que subia um sobre o outro. De repente, a sua atenção foi desviada pelo ruído estridente que parecia vir de uma mó de moinho. Atraído por esses sons incomuns, ele decidiu aproximar-se o mais discretamente possível. E nesse lugar, descobriu o que nunca tinha visto antes: um homem e uma mulher, completamente nus, os corpos entrelaçados transbordando de sensualidade e adoptando as posturas dos animais que lhe eram tão familiares. Ele não se mostrou, mas observou-os enquanto pôde, sentindo nas profundezas do seu corpo emoções insólitas.

De regresso a casa, não pregou olho durante a noite inteira, a sua mente estava completamente consumida pelo que acabara de ver.

A manhã seguinte foi para ele como um segundo nascimento. Observava agora as raparigas e os rapazes da sua idade de uma forma totalmente diferente. A sua constituição genital fazia com que ele se sentisse atraído igualmente por ambos os sexos. Aproximou-se de todos os meninos e meninas da sua aldeia, dos bonitos e das bonitas, dos pequenos e dos grandes, dos magros e dos gordos.

O seu método era pouco ortodoxo, para dizer o mínimo. A abordagem era muitas vezes brutal, semelhante a um ataque violento, que terminava por tombar numa vala ou num riacho. O parceiro debatia-se, gritava, arranhava, mordia, lutava e acabava fugindo-lhe do abraço, não sem antes ter perdido uma parte das suas calças ou vestido.

O cenário repetiu-se durante uma semana inteira. Por fim, numerosos habitantes da aldeia, indignados com esta conduta intolerável, invadiram a fazenda da família e foi por pouco que o pequeno Asmodeus conseguiu fugir aterrorizado, sem esperar o que se sucederia.

Chegada a Oanylone

Oanylone era nessa época a maior cidade da terra. Ela abrigava em seu seio, provavelmente, mais de um milhão de pessoas. Mas, a acídia tinha conquistado os corações e corrompido as almas. A maioria dos habitantes afastara-se de Jah. É neste contexto que chegou o pequeno Asmodeus, ainda muito abalado com o que acabara de viver.

Vagueou durante dias e dias pelas ruas, vivendo de roubos e da mendicância. Dormia durante a noite no chão em meio ao que havia de mais vil e desprezível naquela cidade. Sujo como um piolho, lamacento como uma cabra, os seus passos levaram-no por acaso a um bairro da cidade muito diferente dos outros. Mulheres de pequenas virtudes vendiam o seu charme aos homens que passavam. Algumas eram ainda jovens e frescas, outras gastas e murchas pelo “trabalho”. Ele reparou numa delas, ruiva, mais forte do que a média e com seios generosos. Aproximou-se dela e estendeu a mão como se fosse pegar um fruto proibido. Esteve bem até que uma bofetada magistral de uma mão lhe veio recordar a sua idade e a sua condição.

A mulher começou a vociferar palavras num tom seco e rápido.

 

Mulher: Diz-me lá moçoilo, quem te deu permissão? E de onde é que vem este pirralho? Coberto com tanta sujeira dou-te uma semana antes de te ver morto no riacho.

 

Ela soltou uma gargalhada grosseira e sonora, com ambas as mãos pousadas nos quadris, testemunhada pelas mulheres à sua volta bem como pelos transeuntes. Inclinou-se um pouco para o observar mais de perto, segurando o seu queixo entre as mãos.

 

Mulher: Mas debaixo desta sujidade és bem mais bonito. Se fosses um pouco mais velho dar-te-ia uma boa …

 

Ela não conseguiu acabar a frase. Como uma cobra sobre a sua presa, Asmodeus colocou os seus lábios sobre os dela, fazendo recuar a mulher surpreendida, que respondeu com uma risada ainda mais grosseira que a primeira.

 

Mulher: Decididamente agradas-me! Vem comigo lá dentro, quero mostrar-te duas ou três coisas, ensinar-te a história da vida.

 

O quarto no qual entraram estava escuro, pois não tinha janelas. Tochas iluminavam debilmente o interior, que consistia de quatro delas dispostas em camadas nos quatro cantos. O que servia de cama era um colchão cheio de palha e as travessuras podiam ser escondidas dos olhos dos visitantes por um tecido estendido a toda a volta. Nas paredes, Asmodeus não acreditava no que os seus olhos viam, cenas eróticas mostravam homens e mulheres nus, em posições por vezes acrobáticas, frequentemente surrealistas. Então disse para si próprio que tinha muito que aprender.

A mulher forte atirou-o literalmente sobre o seu leito. Despiu-se lentamente diante dele, fazendo aparecer as suas abundantes curvas e as suas protuberâncias. Depois ela começou a fazer o mesmo com o rapaz. Um grito fez-se ouvir. Ela não conseguiu reter o seu espanto perante a anomalia sexual de que era provido Asmodeus.

 

Mulher: Tem consciência que tens um brilhante futuro traçado!

 

E nesse dia, ele perdeu a inocência.

A cidade afunda-se na depravação

Ele viveu durante muitos anos ao lado da mulher, tornando-se seu amante, partilhando a sua cama e os seus clientes. Mostrava-se particularmente formidável e activo, multiplicando os seus actos como se a sua vida dependesse disso.
Com a idade, o seu corpo desenvolveu-se e formou-se. Uns seios firmes vieram adornar o seu busto. Apanhou o hábito de deixar crescer os seus belos cabelos negros mas também de manter as roupas masculinas. Tornou-se o foco de interesse de tudo o que a cidade pudesse contar sobre depravação.

A sua fama era tal que um dia ele foi introduzido à corte do rei de Oanylone. Este homem era tudo o que havia de mau. Um verdadeiro concentrado de inveja, avareza e desonestidade. Vivia cercado por uma multidão de esposas e cortesãs. Orgias sucediam-se às orgias, e festas às bebedeiras. Jah tinha abandonado este lugar. Tinha ouvido falar deste jovem misterioso, capaz de proporcionar prazeres inéditos. Mandara-o chamar.

Asmodeus compareceu na corte um dia em que a festa atingira o seu auge. As mesas tal como as cadeiras tinham sido derrubadas, os corpos estavam deitados no chão. A maioria estava nu, entrelaçada, presa e como que acorrentada pelo prazer. Os escravos, também nus, tentavam também juntar-se tanto a homens, como mulheres, que se abraçavam em posições obscenas. Traziam sobre pratos de marfim tudo o que era necessário aos prazeres orgíacos.
Logo que o rei o viu entrar na sala, empurrou de alguma forma a meia dúzia de seres bêbedos que estavam amontoados ao seu lado, levantou-se e olhou-o fixamente nos olhos. Todos os que estavam à sua volta, homens e mulheres que participavam neste bacanal, uns após os outros, pararam o seu trabalho e fixaram o seu olhar no recém-chegado. O silêncio era agora completo.

Asmodeus aproximou-se. Trazia um vestido de tecido branco que contrastava com o seu olhar de um negro intenso e a cor escura dos seus cabelos. Lentamente, ele descobriu os seus ombros e deixou cair as roupas no chão sem nenhum pudor, revelando a todos a sua desconcertante anatomia. Atravessou a sala. As pessoas desviavam-se do seu caminho. Ele foi ao encontro do rei que nada dissera e lançou-se brutalmente sobre ele. As pessoas soltaram um grito selvagem e a festa continuou de forma mais bela, como se todos se sentissem agora libertados.

Asmodeus tornou-se o amante ou a amante do rei, conforme o ponto de vista que escolhermos. Catalisava as energias sexuais da corte que agora não conheciam qualquer limite. Mais grave ainda, este exemplo partindo de cima espalhou-se pelas camadas superiores da sociedade numa primeira fase e depois chegou ao resto dos habitantes da cidade.
Nas casas, nas ruas, ou esgotos, nos campos ou celeiros, tudo não era mais que devassidão e luxúria. A depravação e o vício tinham substituído a virtude e a fé. Porque os homens agora tinham esquecido Jah, reservando a sua alma apenas aos prazeres.

A queda

Havia um ser que sem dúvida desfrutava mais do que os outros ao ver a decadência da cidade. Jah não lhe tinha dado um nome e ele deleitava-se ao ver até que ponto a obra do divino se degradava.

Foi então que o céu se encheu de nuvens negras e ameaçadoras e que um vento violento começou a soprar. O Altíssimo dirigiu-se aos habitantes da cidade.

 

Quote:
Jah: Enquanto Eu vos dei o Meu amor, vocês desviaram-se, preferindo ouvir as palavras da criatura à qual não dei nome. Preferiram abandonar-se aos prazeres materiais em vez de me darem graças.

 

Ele acrescentou:

 

Quote:
Jah: Criei para vocês um lugar chamado Inferno, que coloquei na Lua, onde os piores dentre vós conhecerão uma eternidade de tormentos para os punir pelos seus pecados. Em sete dias, a vossa cidade será envolta em chamas e aqueles que lá permanecerem passarão a eternidade no Inferno. Contudo, sou magnânimo, e aqueles que entre vocês saibam fazer penitência passarão a eternidade no Sol, onde se encontra o Paraíso.

 

Perante essas terríveis palavras, todos os homens e mulheres se entreolharam e não ousaram mexer-se. Todos estavam agora com medo do seu destino. Um grande número decidiu sair da cidade agora maldita.
Mas a Criatura Sem Nome, personificação do mal e tão astuta como sorrateira, decidiu agir. Escolheu entre os que restavam sete homens que cada um no seu género concentrava as trevas da humanidade. Asmodeus foi um deles. Deixou-se convencer por aquele que não tinha nome, que Jah não ousaria jamais passar a acção e que a sua decisão estava marcada pelo selo do ciúme. Pela influência que tinha sobre o rei, conseguiu convencer, por seu lado, este último, assim como a corte e uma grande parte dos habitantes a retomar a vida do prazer e da libertinagem.

Não obstante, apenas alguns se reuniram à volta de uma mulher de nome Rafaela que era habitada pelo espírito de Jah. Ela fazia parte de um grupo de sete que tinham aberto os olhos perante o discurso do divino e que eram agora habitados pelo amor de Jah.

Ela percorreu a cidade em todas as direcções, pregando o arrependimento e opondo-se directamente a Asmodeus. Estava ardentemente convencida de deter a verdade e muitos a seguiram e salvaram assim as suas almas. Mas a maioria dos homens preferiu voltar aos seus vícios.

Sete dias mais tarde, um terremoto de poder sem precedentes atingiu a cidade. O solo fracturou-se. Apareceram grandes fendas de onde brotaram as chamas. Num instante Oanylone desapareceu nas profundezas da terra. Jah acabara de atingir com a sua cólera a cidade perversa.

Todos os mortos apresentaram-se então perante o Altíssimo a fim de que este os julgasse. Rafaela e os outros seis humanos tornaram-se Arcanjos diante do Altíssimo, enquanto que aqueles que os tinham seguido se transformaram em anjos.

Asmodeus e os seis outros homens que tinha escolhido o Sem Nome foram escorraçados para a Lua. Foram colocados num lugar frio, sem vida e numa neblina permanente. Os corpos de cada um deles transformaram-se para tomar um aspecto ao mesmo tempo hediondo e aterrorizante. Asmodeus recebeu uma cabeça abominável de serpente com uma língua desmesurada e foi provido de quatro pares de seios e de um falo de um comprimento elefântico. Tinha de o colocar permanentemente sobre o seu ombro para não o pisar. Os seus instintos luxuriosos foram aumentados e atormentava dia e noite os infelizes que se tinham perdido no Inferno, tanto como irritava continuamente os seus irmãos demónios perseguindo-os pelos seus desejos.

Por isso, foi condenado a viver para sempre nas planícies do Inferno.

Para registo, alguns retiveram algumas palavras de Asmodeus, pronunciadas na sua vida:

 

Quote:
– De todas as aberrações sexuais, a castidade é a pior.
– Uma mulher sexualmente satisfeita é muito mais aberta.
– Temos de ensinar as pessoas a servir-se do sexo como uma colher e um garfo.
– Em termos de amor sexual, o apetite está sempre em mudança.

 

Traduzido do siríaco por Tibère d’Arcis

Tradução: Jane_X; Revisão: NReis Ribeiro de Sousa Coutinho; John Martins de Almeida Miranda e Sousa Coutinho e Beatrix Algrave Nunes

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