Ou como não se deve confiar em presentes de duendes e seres mágicos…
Havia retornado há pouco a minha querida Montemor, e já me recuperara do desgaste da viagem que fizera por convocação do ERP, há pouco mais de três dias. Foi quando para minha surpresa recebi uma carta de aviso de alerta do Capitão do condado de Lisboa, informando da presença de um escocês suspeito, com um exército às portas de Setúbal. Como Setúbal fica próxima, achei que devia deixar o regimento alerta e reforçar as defesas.
Em seguida, recebi um convite para acompanhar o Capitão Lorennzzo em sua missão a Setúbal. Depois de tomar as providências possíveis e cabíveis para a viagem, me informei sobre a situação que ocorria, e quem seria o escocês envolvido.
Como tenho alguns parentes naquela região, não foi sem certa surpresa que tomei conhecimento que no dia 19 de março, Sir Olaf, Lord of Aesir – alguém bastante conhecido na região por sua maravilhosa destilaria de whiskey – estava bebendo em sua cidade, Kirkcudbright, em Galloway, e que no dia seguinte, amanhecera em Setúbal, Portugal.
Achava que havia algo de errado, e não poderia simplesmente ser o mesmo escocês. Só poderiam estar enganados. Isso até soava como algumas das histórias de Leprechauns que meu irmão mais velho me contava quando eu era pequena. Que além de guardar potes de ouro, eles eram muito ladinos, e gostavam de pregar peças nas pessoas, como o caso do homem que aceitou um gole de whiskey de um deles, e dormiu por mais de quinhentos anos.
Claro que nunca levei nada disso a sério, apesar de sempre sentir alegria quando via um arco-íris. Não por pensar no pote de ouro que haveria do outro lado, mas por lembrar das histórias e da companhia de meu irmão, de quem tenho tantas saudades, e que foi mais pai para mim que meu verdadeiro pai.
Eu já havia ganho algumas garrafas da destilaria de Sir Olaf através de um primo meu que viaja muito, e que às vezes me envia presentes. Não tenho queixas do whiskey de Sir Olaf, e de fato, ele é bem melhor que o whiskey que o meu tio produz, em sociedade com meu irmão William, também conhecido como Guilherme.
Mas tirando o bom, whiskey, não conhecia muito de Sir Olaf, e como a mensagem era clara, indiquei que partiria imediatamente em companhia do Capitão para a missão que me foi incumbida.
Partimos no dia 22 de março e chegamos no dia 23 de março de 1461. Então, descobri para minha surpresa e espanto, que se tratava do mesmo Sir Olaf da famosa destilaria de whiskey. Não havia meios plausíveis dele ter feito o trajeto de Kirkcudbright para Setúbal em apenas um dia. Isso parecia incrível demais para ser verdade.
Enquanto o capitão se reunia com as autoridades locais, membros do conselho e outros militares, fui me informar a respeito do ocorrido. Não há melhores lugares para colher informações do que a feira e a tasca. Assim, me dirigi primeiro a feira, e tomei conhecimento do que corria de boca em boca.
Sir Olaf era o ganhador do premio de maior beberrão do Reino, em um torneio feito em homenagem a São Patrício, ou como se diz em minha terra Saint Patrick. Além de um prêmio em dinheiro ele havia ganho um misterioso prêmio, coisa realmente de leprechauns, um trevo de quatro-folhas com propriedades mágicas e misteriosas. O certo é que após seu porre vencedor, Sir Olaf dormira em Kirkcudbright e acordara em Setúbal, Portugal. Sir Olaf, é militar, e em sua terra natal possuía um exército, quando acordou, ele ainda era membro de um exército, só que de um homem só. De posse de sua bandeira e paramentado como líder de exército, ele estava fora da cidade, causando alvoroço, pois tudo indicava que havia um exército estrangeiro às nossas portas.
Ao que parece tudo não passava de um mal entendido. Foi solicitado a Sir Olaf que desfizesse seu exército e sua formação em frente ao portão, acontece que fazer isso acarretaria em uma perda de 500 libras que ele havia gasto na criação do tal exército.
Atendendo às determinações do Conselho e da Condessa de Lisboa, Sir Olaf desmanchou seu exército, ficando com um prejuízo de 500 libras. Mas isso foi culpa do tal leprechaun, pois é lógico que o Conselho não teria como arcar com tal despesa e ressarci-lo como ele queria. E quanto à lei, ela deveria ser cumprida, pois ”Dura lex, sed lex”. Todos nós sabemos.
Quando falei com Sir Olaf ele me confirmou toda a história, que comera o trevo mágico e que depois disso foi transportado magicamente para Setúbal. Por mais incrível que fosse a história, era difícil desconfiar do ar sério e resoluto do guerreiro veterano, cheio de cicatrizes e cabelos brancos. O homem não estava brincando, e comecei a rever meus conceitos sobre os velhos contos da terra dos meus antepassados. Sir Olaf disse que tudo que ele queria era voltar o mais rápido possível para casa, para sua destilaria de whiskey e dar um fim àquela estranha aventura.
“Yes miss I ate some strange clovers and ended up here. I am trying to get back to scotland as soon as possible actually…”
Estou torcendo que a aventura de Sir Olaf tenha um bom final e ele retorne para seu campo de cevada e sua destilaria.
Quanto a mim, no dia 26 de março retornei à Montemor. Sir Olaf havia passado por lá no dia anterior e já havia partido rumo à Santarém.